quarta-feira, 28 de março de 2012

São João tá em cima

JOSILMAR PINHEIRO



Ainda na década de 1970 por estas bandas do norte de Minas as festas juninas eram comemoradas com inacreditável animação, envolvendo a todos numa alegria esfuziante, embalada nas danças típicas, nos foguetórios, nas fogueiras e nas comidas e bebidas tradicionais. Por este motivo, a noite de São João era, sem dúvida, a data mais esperada do ano, excetuando-se, evidentemente, o natal. Não havia uma casa em que não tivesse uma fogueira acesa, em torno da qual as pessoas se assentavam para se confraternizar, tomando quentão, comendo pipoca, canjica, etc.

Era tão importante a noite de 23 de junho, véspera do sonhado São João, que nos dias que a antecediam o volume de vendas no comércio aumentava significativamente, não só no ramo de fogos de artifícios, mas de alimentos, roupas, etc., porque todo mundo queria estar "bem na fita", como se diz hoje em dia.

Contava meu falecido sogro, Seu Felintro, homem das mil e uma profissões, dentre elas a de protético, e todas elas aprendidas de maneira empírica, diga-se de passagem, que um belo dia, em meados do mês de junho de um ano qualquer, inserido na década de 70, estava atendendo um cliente, vindo da zona rural, quando, no meio de uma animada prosa, o referido cliente soltou essa pérola: "Uma das coisas que eu vim fazer aqui na cidade, além desta dentadura, foi comprar uns tecidos pra minha muié fazer umas roupa pras minhas filhas, porque elas tudo pelada e o São João tá em cima..."

domingo, 25 de março de 2012

Roleiro

JOSILMAR PINHEIRO


Há pessoas que se comunicam com palavras nem sempre corretas, do ponto de vista semântico, mas também há aquelas que as interpretam, encontrando o sentido que se quer dar, ainda que soe esquisito e provoque risos.

Lembro-me de um uma noite, há alguns anos, eu estava no Bar do Seu Cindo, onde costumava ir para tomar uma cervejinha antes do jantar. Ali, eu conseguia relaxar, conversando com o dono do estabelecimento sobre os mais variados assuntos, depois de um cansativo dia de trabalho.

De um momento para outro, entra no estabelecimento, que também é uma mercearia, uma senhora de aparência humilde, que vai logo perguntando: "Seu Cindo aqui tem roleiro?" Ele, com ar meio estupefato, respondeu: "eu não sei o que é isso, você pode explicar o que é?" Aí, a senhora, calmamente, deu a explicação: " roleiro é aquele negócio que os homi usam para não engravidar as muié..." Então, Seu Cindo matou a charada e completou: "Você quer comprar camisinha, não é?... Mas aqui eu não vendo essa mercadoria, não. Tá bom? "Tá bom", disse a freguesa e foi saindo.

A essas alturas, eu já estava lá fora rachando de rir, sem deixar que percebessem o motivo e, assim que a mulher saiu, eu voltei para continuar o "papo", encontrando Seu Cindo também dando risada. Nesse instante, eu comentei: Ora, faz sentido o que freguesa falou, pois assim como existem joelheira, cotoveleira, tornozeleira, bem que poderia existir o roleiro que ela tanto queria...

quinta-feira, 22 de março de 2012

Reminiscências - Coisas do futebol

JOSILMAR PINHEIRO (meu papai)



Hoje, sem saber como e porque, comecei a relembrar fatos a que tive a oportunidade de testemunhar na minha já extensa (graças a Deus!) existência.

Voltei meu pensamento lá nos anos sessenta e, como num filme, vi passarem as cenas que a seguir descreverei: Estava eu numa tarde de domingo assistindo a uma partida de futebol no campo do "JK". Era a única diversão dos fins de semana em Taiobeiras naquela época e por isso havia muita gente ali, em volta daquele campinho de terra para se divertir com o jogo amistoso entre as equipes do JKFC e do Tingui, time da zona rural.

Como era de praxe - e até hoje ainda é - as torcidas costumavam amontoar-se atrás dos gols adversários, para "zoar" os goleiros, com o claro objetivo de desestabilizá-los emocionalmente. Nesse episódio em especial, como não havia sequer redes nos gols, as torcidas estavam muito próximas dos goleiros, chegando até a invadir a linha demarcatória e, às vezes tocando os goleiros com as mãos, para deixá-los nervosos.

Foi quando, de repente, o goleiro do Tingui, cego de raiva, não suportando tanta pressão, resolveu desferir um murro meio sem direção, vindo a acertar no peito um torcedor conhecido na cidade por "Dema do calçamento". Puxa vida! O pobre goleiro não sabia o que lhe esperava. Antes que o desafortunado arqueiro pudesse pensar, recebeu um violento soco, que lhe acertou o "pomo de Adão", ou seja a região do gogó. Desesperado, correu na direção do centro do campo gritando com uma voz que alternava entre o grave e o agudo: "água, água! Ai, minha gar... goela! Ai, minha gar.. goela!

Rapidamente, alguém correu até uma casa vizinha e trouxe água numa vasilha feita de lata de óleo de cozinha (lembro-me até da marca Mariflor inscrita na lata). Depois de beber muita água vinda do pote da vizinha, o infeliz goleiro, já calmo e tranquilo disse a seguinte frase, que fez todo mundo rir: "eu tava bebeno essa água, mas parecia que ela tava passano por fora da minha goela..."

quarta-feira, 21 de março de 2012

Fragilidade da vida

Cyntia Pinheiro


A família CELF* está de luto. A colega Lane Lafetah sofreu um grave acidente e perdeu a vida na noite de 19 de março de 2012. Voltava de Bocaiúva depois de um dia de trabalho.

Mas quem era Lane? Uma menina sorridente, e que sorriso lindo! Tinha um cabelão liso, farto, de dar inveja a qualquer moça da mesma idade. Flautista talentosa, professora reservada, escritora competente, uma menina sonhadora e cheia de planos, era assim que eu a via.

E foi um baita susto o que aconteceu. Ver seu rosto desfigurado no caixão, machucada, impossibilitada de um gesto qualquer, me fez refletir sobre a fragilidade da vida.

Então um caminhoneiro imprudente em alta velocidade, descendo uma serra perigosa em noite de chuva, ultrapassando em local proibido, vem e mata dois, fere treze e fica impune. Como assim?

Com que direito ele deixa uma família sem seu pai e uma jovem mãe sem sua filha? Ele não matou duas pessoas naquela noite, ele dilacerou duas famílias inteiras e "foi liberado"... Simples assim. Resta-nos a confiança nos desígnios divinos, pois só Deus pode consolar e abrandar a revolta que a impunidade gera.

Mas Lane está bem. É para uma linda praça onde a música não para jamais que os músicos vão. Fazer conjecturas quanto à imprudência humana é desperdício de tempo. A certeza de que a vida não termina é alento, acreditar num propósito divino é sublime.

E a música do céu vai ficando mais melodiosa com a flauta de Lane, a luminosidade das estrelas ganha um reforço extra com o brilho inexorável de seu sorriso, e a vida abreviada numa curva fatal ganha um novo sopro em horizontes mais leves, onde a maldade humana jamais pode alcançar.

E ela segue sorrindo para um destino feliz que Deus lhe preparou, nós ficamos com a lembrança linda da bondade do seu olhar...




* Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez.

terça-feira, 13 de março de 2012

13 de março

Cyntia Pinheiro


Em um 13 de março aí, há cerca de 20 anos (e isso me faz pensar que estou envelhecendo), a adolescente quis fazer o seu próprio bolo.

Arranjou uma receita, juntou os ingredientes, bateu com um garfo - ninguém tinha batedeira na vizinhança - e fez o melhor que pôde.

A empregada ajudou a acender o forno do velho fogão de seis bocas, azul meio desbotado e, relativamente, eficiente.

Quarenta minutos depois o forno foi aberto e o bolo murchou - sempre fez muito frio naquelas Taiobeiras - mesmo assim a jovem aprendiz, insistiu em recuperá-lo, mesmo "solado" e considerado fora do padrão de qualidade para uma provável festinha logo mais, a iguaria festiva foi para a mesa aguardar o leite condensado de cobertura.

Era assim mesmo, uma lata inteira despejada sem nenhum preparo prévio, apenas o leite condensado sobre o bolo - meio solado - e havia motivo suficiente para convidar a vizinhança para os parabéns às sete da noite.

Mas a mãe chegou e viu o bolo feio, "malacabado" e totalmente sem graça em cima da mesa. Quis consertar para que ele ficasse pelo menos apresentável quando a meia dúzia de convidados chegasse.

Não vacilou, abriu a despensa e pegou logo um saquinho do tradicional "Q-suco" sabor morango e despejou em cima do leite condensado.

A adolescente não aprovou a ajuda materna, mas também não reclamou, o bolo continuou feio, mas pelo menos agora tinha uma cor.

Chegaram os convidados, doze balões coloridos enfeitavam a parede, uma vela branca tradicional estava enfiada no bolo fracassado, os outros "Q-suco" sabor morango foram preparados e servidos, pipoca rolou solta na "festinha" e então, apagaram-se as luzes e um parabéns tocado ao violão foi cantado por todos.

A aniversariante estava feliz. Partiu o bolo e ficou em dúvida quanto à quem ofertaria o primeiro pedaço. Evitando desapontar o pai ou a mãe, ofereceu para a avó - ainda bem que a outra avó não tinha ido à festa, ela pensou.

Todos comeram o bolo de forma bem suspeita. Alguns faziam careta, pois o "Q-suco" azedou tudo. Não parecia saboroso. E não estava. Fato.

A prima mais íntima até hoje caçoa o bolo de "Q-suco". Bom ou ruim, ele foi inesquecível!