segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A única coisa que a gente tem na vida é o pescoço

Cyntia Pinheiro

Outro dia meu filho de cinco anos nos saiu com essa: "Pai, a única coisa que a gente tem na vida é o pescoço." Preocupado em justificar o sentido da frase depois de ouvir gargalhadas incontroláveis da mãe e do pai, emendou: "É porque se cortarem nosso pescoço a gente morre, ué, o pescoço é muito importante." Ainda gargalhávamos enquanto ele insistia: "O pescoço é importante, gente, pois ele vira a cabeça de um lado para o outro, ué."

Enfim, controlamos o riso e concordamos, de fato, o pescoço é muito importante. Entre uma ponderação e outra eu ainda explodia numa gargalhada escandalosa que deixava meu pequenino meio sem graça. Mas depois ele entendeu que a frase foi interessante e até mesmo engraçada, por isso rimos tanto, não ríamos dele, mas da frase.

Tal frase me fez recordar uma aluna de canto que tive comigo por três anos, a Suely, uma senhora animada, professora aposentada, de voz doce e melodiosa, afinadíssima e muito dedicada. Além de todos esses predicados musicais, Suely era uma mulher sábia, uma matriarca. Contava-nos sempre suas aventuras em família e, especialmente, sua perspicácia ao lidar com os genros e noras.

Certa vez, ela disse a mim e às suas colegas de canto, que nós mulheres devemos "encher a bola" dos nossos maridos, dizer a eles que eles são muito importantes na casa, e devemos ser bem convincentes para que a autoestima deles fique elevada. Segundo Suely o homem deve acreditar piamente de que ele é a cabeça da família, sendo a cabeça é ele quem conduz todas as coisas, coordena, lidera, mas o homem jamais deve perceber que por trás disso tudo está a mulher, e ele não deve nunquinha descobrir que a mulher é o pescoço, afinal é o pescoço que move a cabeça e a faz olhar na direção que só ele, o pescoço, orienta.

Assim, quis ela dizer que, o homem deve ser encorajado a ser o chefe do lar, sem nunca descobrir que quem manda mesmo é a mulher, porque o homem é a cabeça, mas a mulher é o pescoço, e a cabeça só olha pra onde o pescoço quer.

Concluí que meu pequenino estava certo, a única coisa que a gente tem na vida é o pescoço, afinal o que seria da cabeça sem ele??????

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Letras dos amigos

Quem é Damião Cordeiro? Ele se autodenomina de "O Poeta do Acaso", mas não foi por acaso que um dia eu pedi ao Délio Pinheiro - nosso amigo em comum - que falasse com o Damião para me aceitar como sua amiga no orkut, foi porque me encantei com sua escrita. E ele, generoso que é, me mandou um monte de coisas suas para eu ler. Li tudo, tudinho mesmo, gosto de receber textos no papel, gosto de tocar no papel e adoro ler Damião. E estou sempre recebendo textos dele para ler, leio com carinho e quando eu crescer quero ser igual a ele, que é um poeta com o condão de nos fazer enxergar, sentir aromas, sabores e tudo o mais através da mágica de suas letras certeiras, leiam com carinho, com vocês Damião Cordeiro, o Poeta do Acaso!!! 
 
 
DOENÇA DA CARNE: AMOR DOENTIO


Lá, onde a aurora soltava maravilhoso doirado cacho, mas, todo ouro belezura crepusculava no efêmero, carnalmente, sobrevivia a estonteante Lia socada numa tirinha de lugar, entre a escravatura corporal e o desleixo do espírito. Lá, lá, bem no epicentro lamacento e encharcado em dor chumbo. Também, amar daquele tanto era de doer. Uma enfermidade fincada no rijo da carne. Lia carregava um grande amor transbordante que não cabia na caixa do peito dela. Lia, uma quase sem-terra que ao mesmo tempo era mulher-matéria devoluta, terra de ninguém, terra de todos. Lugar onde qualquer um pisoteava, fazia lama e não deixava sequer uma marca de amor.

Essa tal de Lia era analfabeta, mas, muito lida em anúncios privês. Lia era (muda calada), porém, trazia o sexo na ponta da língua. Exímia leitora, Lia lia com a ponta da língua e com todos os olhos e com todas as bocas. Enfim, com todos os poros do seu corpo sovelado e esburacado pelos ferrões da macheza. (Amar dói muito), um “entregar-se” desmedido. Lia lia demais. Lia amava demais, Lia, boa Lia! – Um poço de bondade - Lia lia demais. Lia amava demais. Lia, demais !!! Lia, demais!!! assim, cinicamente, diziam os insaciáveis garanhões fedorentos, esses doentes compulsivos doidos por prazeres inventados. Lia amou demais, mas, pegou doença do mundo. Coitada, Lia, uma mulher muito lida em anúncios privês, uma mulher tão prestativa e tão dada facilitou e não pôde ler o receituário da vida: PREVINA-SE CONTRA O ÓDIO DO MUNDO!

Era eu Lia, uma mulher de mil gostos, uma mulher de mil homens, fui reduzida em desgostos, minha causa mortis – disse Maria da Assumpção ao dar com o chaveiro celestial à porta do grande Salão da Claridade cantarolando um hino de louvor e pinicando na viola de São Gonçalo. Bonachão e acudidor de gente em hora de agoniada precisão, mesmo com a voz desafinada e de olhos acrescidos, prontamente, São Pedro acudiu: entre minha filha, entre. Não precisa tirar toda a sua... culpa. Não carece debulhar rosários e mais rosários de íntimas particularidades em confissões desnecessárias. Poupe-me dos detalhísmos descritivos, não posso mais cair em tentação, e outra, tenho cargo de confiança, por isso, não vou negar o meu fidedigno voto de castidade. Espiritualmente, recebi o seu curriculum vitae, já sei de tudo na ferida viva do meu coração, por isso tudo, não precisa ficar mais na salmoura do purgatorium encardido, pois é dele que acaba de sair. Limpa, sarada e distante dos assédios dos grileiros de sentimentos, Assumpção pisou no que é dela de direito, assim que recebeu das santas mãos do Pai supremo a sagrada escritura do latifúndio eternidade...

Damião Cordeiro - o Poeta do Acaso.