sábado, 3 de dezembro de 2011

Processo Civil Romântico

Cyntia Pinheiro


Quem imagina que aula de direito é só teoria e pouco ou nenhum romantismo se engana. No quinto período de Direito, nossa turma teve a felicidade de conhecer o professor Otávio Augusto, homem sério, distinto e visivelmente culto e vaidoso. Mas vaidoso de uma vaidade saudável, do tipo de gente que se cuida, sempre de terno estiloso e óculos impecavelmente limpos.

Trouxe um certo temor nas primeiras aulas, com seu ar sério e seu português irrepreensível, além das notícias que tivemos de que suas provas eram difíceis e de que ele seria implacável como professor. Mas logo essa imagem equivocada se desfez, e o professor Otávio se mostrou acessível e descontraído em vários momentos.

Bem, mas para que não me compreendam mal, às vésperas que estamos da última prova de processo civil, minha intenção com este texto não é a bajulação, mas tão somente comentar um pouco do que aconteceu ontem em nossa última aula e da inspiração que ela me trouxe.

Discutíamos Recurso Extraordinário e Recurso Especial. Já no final da aula, nas considerações derradeiras, surgiu (não me lembro bem de onde), um comentário acerca das missivas que já não se mandam mais. O professor Otávio bem disse que nos tempos modernos já não se escrevem mais cartas aqueles que se encontram enamorados, a internet acabou com todo o romantismo, a tecnologia fez com que muita coisa perdesse a graça.

Minha colega Thiara, que se casa em janeiro, foi indagada pelo professor, sobre o seu noivo, se por acaso ela lhe escrevera cartas românticas, já que é sabido de todos que William não reside em Montes Claros. Ela logo respondeu, romanticíssima que é, que é claro que já se comunicou com ele através das cartas, que demoravam cerca de cinco dias para chegarem até a Bahia, local onde ele se encontra fazendo mestrado.

Bem, aproveitando a deixa o professor logo emendou brincando que por se tratar da Bahia, somente por carta mesmo... Mas continuou emendando com uma seriedade invejável e uma inspiração fantástica: "Quando não há espaço entre o desejo e a satisfação, não há tempo para os sentimentos brotarem."

Eis o ponto culminante no qual me apeguei para esta crônica. A frase do professor foi ainda comentada por alguns instantes enquanto eu refletia acerca de sua profundidade. Cecília, amiga e parceira de todos os momentos, notando meu mergulho nas ideias foi logo sugerindo: escreva uma crônica. Eu, como muitos já sabem, costumo atender a esse tipo de pedido. Cá estou tentando fazê-lo.

Pensar que deve haver espaço entre o desejo e a satisfação é pensar em como Ismália quis a lua, levada pela loucura de amor, que morre de amor pensando alcançá-lo.
É pensar em como Aída quis Radamés e foi desejada por ele, morrendo ambos de amor, de um amor que não teve tempo de ser vivido.
É também pensar em como Elis amou a música, mais do que aos filhos e no tempo curto que teve para viver e amar.

Assim só posso pensar que o tempo está para o amor, como bem cantou Caetano em sua Oração ao Tempo, pois é o tempo o melhor "compositor de destinos" de que se tem notícias.

E sim, desejo prontamente satisfeito não tem o mesmo "tempero" de um desejo esperado, almejado, aguardado. Para tanto, que bom seria se voltássemos às tradicionais missivas, eu mesma já escrevi dezenas, centenas delas e tenho um baú lotado de cartas que recebi dos amigos e do marido também nos tempos de namoro. Por que não?

Claro que "Todas as cartas de amor são ridículas" como escreveu Álvaro de Campos, mas não é por acaso que ele mesmo concluiu que só quem nunca escreveu uma carta de amor é que é, de fato, ridículo.

E para que os sentimentos brotem, nada como ser ridículo com as palavras, nada mais salutar. Pequenas doses de desejo satisfeito são como pequenas gotas de mel, deliciosas e doces. Desejo prontamente satisfeito é como o mel que transborda e enjoa.

03/12/2011

2 comentários:

  1. Comheço bem seu seus devaneios filhota... Num pingo d'agua vc cria um vendaval! E como prende a atenção até o ultimo ponto.
    Falando em cartas... meu Deus! Foram 33 anos vendo cartas na minha frente. Sabe que eu tinha me esquecido delas!?

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  2. VOCÊ COMO SEMPRE TRANSBORDANTE DE TALENTOS HEIN AMIGA...PARABÉNS LINDA CRONICA...UM CHEIRO
    THIARA

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