Cyntia Pinheiro
Quem imagina que aula de direito é só teoria e pouco ou nenhum romantismo se engana. No quinto período de Direito, nossa turma teve a felicidade de conhecer o professor Otávio Augusto, homem sério, distinto e visivelmente culto e vaidoso. Mas vaidoso de uma vaidade saudável, do tipo de gente que se cuida, sempre de terno estiloso e óculos impecavelmente limpos.
Trouxe um certo temor nas primeiras aulas, com seu ar sério e seu português irrepreensível, além das notícias que tivemos de que suas provas eram difíceis e de que ele seria implacável como professor. Mas logo essa imagem equivocada se desfez, e o professor Otávio se mostrou acessível e descontraído em vários momentos.
Bem, mas para que não me compreendam mal, às vésperas que estamos da última prova de processo civil, minha intenção com este texto não é a bajulação, mas tão somente comentar um pouco do que aconteceu ontem em nossa última aula e da inspiração que ela me trouxe.
Discutíamos Recurso Extraordinário e Recurso Especial. Já no final da aula, nas considerações derradeiras, surgiu (não me lembro bem de onde), um comentário acerca das missivas que já não se mandam mais. O professor Otávio bem disse que nos tempos modernos já não se escrevem mais cartas aqueles que se encontram enamorados, a internet acabou com todo o romantismo, a tecnologia fez com que muita coisa perdesse a graça.
Minha colega Thiara, que se casa em janeiro, foi indagada pelo professor, sobre o seu noivo, se por acaso ela lhe escrevera cartas românticas, já que é sabido de todos que William não reside em Montes Claros. Ela logo respondeu, romanticíssima que é, que é claro que já se comunicou com ele através das cartas, que demoravam cerca de cinco dias para chegarem até a Bahia, local onde ele se encontra fazendo mestrado.
Bem, aproveitando a deixa o professor logo emendou brincando que por se tratar da Bahia, somente por carta mesmo... Mas continuou emendando com uma seriedade invejável e uma inspiração fantástica: "Quando não há espaço entre o desejo e a satisfação, não há tempo para os sentimentos brotarem."
Eis o ponto culminante no qual me apeguei para esta crônica. A frase do professor foi ainda comentada por alguns instantes enquanto eu refletia acerca de sua profundidade. Cecília, amiga e parceira de todos os momentos, notando meu mergulho nas ideias foi logo sugerindo: escreva uma crônica. Eu, como muitos já sabem, costumo atender a esse tipo de pedido. Cá estou tentando fazê-lo.
Pensar que deve haver espaço entre o desejo e a satisfação é pensar em como Ismália quis a lua, levada pela loucura de amor, que morre de amor pensando alcançá-lo.
É pensar em como Aída quis Radamés e foi desejada por ele, morrendo ambos de amor, de um amor que não teve tempo de ser vivido.
É também pensar em como Elis amou a música, mais do que aos filhos e no tempo curto que teve para viver e amar.
Assim só posso pensar que o tempo está para o amor, como bem cantou Caetano em sua Oração ao Tempo, pois é o tempo o melhor "compositor de destinos" de que se tem notícias.
E sim, desejo prontamente satisfeito não tem o mesmo "tempero" de um desejo esperado, almejado, aguardado. Para tanto, que bom seria se voltássemos às tradicionais missivas, eu mesma já escrevi dezenas, centenas delas e tenho um baú lotado de cartas que recebi dos amigos e do marido também nos tempos de namoro. Por que não?
Claro que "Todas as cartas de amor são ridículas" como escreveu Álvaro de Campos, mas não é por acaso que ele mesmo concluiu que só quem nunca escreveu uma carta de amor é que é, de fato, ridículo.
E para que os sentimentos brotem, nada como ser ridículo com as palavras, nada mais salutar. Pequenas doses de desejo satisfeito são como pequenas gotas de mel, deliciosas e doces. Desejo prontamente satisfeito é como o mel que transborda e enjoa.
03/12/2011
sábado, 3 de dezembro de 2011
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Comheço bem seu seus devaneios filhota... Num pingo d'agua vc cria um vendaval! E como prende a atenção até o ultimo ponto.
ResponderExcluirFalando em cartas... meu Deus! Foram 33 anos vendo cartas na minha frente. Sabe que eu tinha me esquecido delas!?
VOCÊ COMO SEMPRE TRANSBORDANTE DE TALENTOS HEIN AMIGA...PARABÉNS LINDA CRONICA...UM CHEIRO
ResponderExcluirTHIARA