quinta-feira, 26 de abril de 2012

Não atire apenas a primeira pedra, atire todas as que suas mãos puderem segurar...

Cyntia Pinheiro*



Há algumas semanas estivemos diante de um julgamento polêmico por parte do STF, a descriminalização do aborto de feto anencefálico.

Diante de assunto tão delicado muitas vozes se levantaram - e de maneira muito legítima - contrárias ao aborto. Dentre os segmentos religiosos cristãos vários foram os padres, pastores, médiuns e fiéis apaixonados - estes ainda mais que os outros - que se manifestaram demonstrando severa e imutável opinião terminantemente contra a prática outrora considerada criminosa.

E eu, como cristã que sou (e não levantarei aqui bandeira alguma) não penso muito diferente com relação à pratica abortiva. Aborto é crime, é privar um novo ser da oportunidade de experienciar a vida, um direito seu previsto em lei e, mais ainda, previsto na construção moral da sociedade.

Não tenho a menor dúvida de que, em se tratando de mim mesma, jamais atentaria contra uma vida humana, especialmente aquela que a bondade divina houvesse confiado a mim através da concepção. Embora haja previsão legal para a prática abortiva em caso de estupro e, ainda, em caso de risco de morte materna, penso que nem assim abortaria.

Mas, é muito discrepante pensar que a lei autoriza o aborto em caso de estupro, preservando a dignidade da mãe, em face de um feto muitas vezes viável em termos físicos e biológicos, mas considerar essa mesma mãe uma criminosa em caso de feto anencefálico. Mais coerente, para as correntes que são contra o aborto de anencéfalo, seria que a mulher vítima de estupro gerasse e entregasse o filho para adoção, caso não desejasse criá-lo.

Também é discrepante considerar que a mulher em risco de morte decorrente de gestação perigosa, possa abortar, sem ser considerada criminosa, ou seja, sua vida é colocada como bem maior perante a vida do feto que lhe mina as possibilidades de sobrevivência, mas no caso de feto anencefálico, alguns dizem que não há ponderação possível, devendo a mãe suportar a sua própria tragédia e gerá-lo ainda que a gestação culmine em lastimável óbito, do contrário, é criminosa.

Ora bolas, quanta hipocrisia em nossa sociedade. Então, agora atiraremos pedras nos ministros que votaram em favor da chamada “antecipação terapêutica do parto”, porque AGORA a vida do feto é mais importante do que a dignidade da mãe.

No meu humilde sentir, e sempre referindo-me a atos próprios e não buscando uma generalidade, ninguém deveria abortar em hipótese alguma, mas não sou senhora do sentir alheio e não posso atirar pedras simplesmente por defender a minha ideologia e o meu pensar.

Se me permitem um parêntese, aos dezenove anos uma saudosa prima que estava grávida de um menino saudável, recebeu o lamentável comunicado médico de que sua gestação deveria ser interrompida porque havia risco de morte para ela em decorrência do parto. Nobre que era, guardou para si, compartilhando apenas com a mãe, sua situação, preferiu gestar o filhinho que amou desde a concepção, o resultado trágico foi sua morte prematura logo após o nascimento de seu rebentinho, mas o valor de sua atitude apenas Deus pode mensurar.

Se Deus existe – e creio com toda minha alma que Ele existe – não é humano como nós. Pobres de nós! Ele conhece nossos corações, e então eu pergunto: De que adianta proibir a mulher se em seu coração o desejo maior é contrário à proibição? Acaso estará isenta de culpa por fazer algo que a lei obriga, sendo seu ânimo diverso?

Se até o juiz pode sentenciar o crime ponderando pelo dolo ou pela culpa, quanto mais Deus, que percorre as entranhas de nosso coração, vela por nossos sentimentos não saberá, de fato, o que pretendemos fazer? Não é a lei que o dirá, pois essa é uma questão de foro íntimo e merece todo nosso respeito.

Por isso, caríssimo leitor, penso que a decisão foi acertada. Claro que temo pela prerrogativa aberta ao aborto eugênico, e a outras formas de aborto que porventura venham a ser descriminalizadas, mas confio em Deus e sei que Ele tem um plano maior para tudo isso.

Ele nos deu liberdade de escolha, por que eu penso que posso minar a liberdade do outro? Quem somos nós para mensurar a condição da mulher que se encontra vitimada por semelhante tragédia humana? Só ela mesma saberá se é capaz de suportar sua cruz. Lei nenhuma terá o condão de transformar o interior de alguém, cada um sabe a dor que é capaz de suportar, e eu não atirarei pedras em ninguém, simplesmente porque seu pensamento difere do meu.

Acaso Deus, em sua infinita misericórdia, conhecedor de todas as nossas mazelas íntimas não saberá quem é merecedor ou não do seu perdão? E nós “Cristãos”, continuaremos atirando pedras??????



 *Cyntia Pinheiro, mãe, professora de música, maquiadora e acadêmica de Direito nas Faculdades Santo Agostinho.



Um comentário:

  1. Cyntia Pinheiro, debati muito com várias pessoas sobre a questão do aborto quando ela foi levantada, propositalmente, para "combater" a então candidata Dilma Rousseff nas eleições de 2010. Achei um despropósito aquela questão ter se tornado central a ponto de levar uma eleição presidencial para o 2º turno. Achei estranho que muitos religiosos, naquele contexto, entendessem como "defesa da vida" apenas a do feto, fechando os olhos para outros tipos de políticas públicas que garantem a vida nas fases da infância, da adolescência, adulta e na terceira idade. Por isso, acho que o tema aborto não deveria ser questão eleitoral. O seu texto bem revela um propósito muito superior, o de não fanatizar e nem partidarizar a questão como tem sido feito por muitas pessoas. Como cristão eu não suporto o aborto. Considero como uma entre tantas formas de matar o ser humano. Mas entendo que, não é a proibição ou não que fará com que pessoas deixem de abortar. Mesmo com o aborto proibido na maioria dos casos, milhares de mulheres abortam assim mesmo. Logo, creio que a questão central, sobretudo para os religiosos, está em atingir as pessoas com uma mensagem de valorização da vida que parta da consciência e dos valores. Não é a lei, com sua letra fria e impessoal, que salvará os inocentes ou que dará consciência aos culpados. E mais do que qualquer coisa, essa é uma questão que deveria ser de decisão exclusiva das mulheres. Afinal, somente as mulheres têm a condição de experimentar o mistério de ser mãe.

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