Cyntia Pinheiro
Ontem, depois de quatro meses morando do outro lado da cidade, errei pela primeira vez o caminho de volta para casa. Só notei o tamanho da volta que eu havia dado quando, já chegando no apartamento em que vivemos por felizes sete anos, é que Samuel me acordou:
- Mãe, onde você tá indo?
Ops, era tarde. Agora teria que completar a volta na avenida toda pra retornar lá na frente e tomar o trajeto correto, rumo à "casa nova".
No caminho de volta, entre debochada e estupefata eu ria com o meu pequenino, achando graça da minha distração, mas enquanto isso, lá no fundo eu refletia sobre as voltas que a vida dá, ou as voltas que a gente dá na vida.
É bem conhecida a passagem bíblica em que Jesus, acolhendo Maria Madalena, profere as sábias palavras: "Atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado". Quem nesse mundo é capaz de dizer que jamais cometeu algum engano?
Eu erro muito. Erro o tempo inteiro. Mas trago no peito uma certeza tão plena quanto aquela de quando eu dirigia para o antigo apartamento: eu erro querendo acertar. E trazendo isso para a linguagem do Direito: erro culposamente, sem dolo.
Penso que ninguém erra por dolo, mas descubro um segundo depois que não é bem assim, tal pensamento por si só consiste em um erro. Há pessoas nesse mundo que são mal intencionadas, cometem erro com total responsabilidade sobre ele, plenamente lúcidos do que fazem e sem o menor escrúpulo nem impulso inibidor.
Não é o meu caso. Definitivamente não é. Digo isso com toda a pureza do meu coração. Falho porque sou humana, cheia de defeitos, mas não tenho "aquela" maldade de fazer algo para prejudicar alguém ao bel prazer...
Em meus devaneios na volta para casa fiquei pensando ainda sobre a situação do planeta em que vivemos, da forma como vivemos e cheguei à conclusão de que deve existir nesse universo tão grande algum lugar melhor do que esse aqui. Onde os habitantes não careçam de armas para se defender, não precisem de muros para se esconder, não precisem de mentiras para vencer, não precisem se agredir.
Enfim, não havendo muito o que fazer por hora, vou continuar o meu caminho errando, falhando - especialmente com quem amo - mas querendo acertar a cada dia para um dia merecer um lugar melhor no futuro, onde eu não erre mais.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Letras dos amigos
Esses dois versinhos me foram enviados por Damião Cordeiro,o Poeta do Acaso, achei de uma lindeza sem tamanho, que resolvi compartilhar com vocês, espiem só:
"Quem quiser plantar saudade
Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Onde o sol seja bem quente
Porque se plantar no molhado
Quando crescer mata a gente."
ANTÔNIO PEREIRA
"Aconselhado pelo poeta Antônio Pereira
Dele, à risca pus em prática a receita,
Fervi a semente em alta temperatura,
E pra não sentir o fel que viria em deleita
No Saara enterrei-a numa imensurável fundura,
Portanto, da saudade nenhuma colheita."
O POETA DO ACASO.
"Quem quiser plantar saudade
Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Onde o sol seja bem quente
Porque se plantar no molhado
Quando crescer mata a gente."
ANTÔNIO PEREIRA
"Aconselhado pelo poeta Antônio Pereira
Dele, à risca pus em prática a receita,
Fervi a semente em alta temperatura,
E pra não sentir o fel que viria em deleita
No Saara enterrei-a numa imensurável fundura,
Portanto, da saudade nenhuma colheita."
O POETA DO ACASO.
domingo, 11 de setembro de 2011
Carta ao Vinícius
Cyntia Pinheiro
Sinto um peixinho dando piruetas na minha barriga. É o Vinícius!
Esse menininho amado, que chegou de mansinho, sem alarde, quando ninguém esperava, e trouxe uma chuva de bênçãos e felicidade para a nossa vida!
Fico imaginando seu rostinho pequenino, será que vai ter o bocão da mãe ou os olhinhos cor de mel? Será que vai ter o cabelo pretinho do pai?
Estamos sonhando com o Vinícius que vai trazer uma grande mudança para a nossa rotina, para os nossos hábitos, para tudo o que está prontinho, cheio de regras, construído. Vinícius vem para desconstruir e refazer, vem para colorir, vem para animar, vem para trazer muito mais felicidade!
Será uma festa! Dois rapazes lindos em casa, aliás, dois não, três, porque o papai também conta. E a gente vai jogar bola juntos, vamos soltar pipa, tomar sorvete, cantar, dançar, fotografar, filmar, correr, cheirar, amar, amar, amar... tô até com pena desse pequeno, porque vou apertá-lo tanto, cheirá-lo tanto!
Querido filho, só peço a Deus que você venha com saúde, e tenha um coraçãozinho tão puro e bom quanto o do Samuel, disposto a ser educado no bem, na retidão, na fé Cristã, na caridade, enfim, que você também venha sob medida, porque se vamos ou não amar você? Nem preciso responder! Você já é um menino amado, desejado, bem-vindo, querido, abençoado!
Com todo amor,
Mamãe.
Sinto um peixinho dando piruetas na minha barriga. É o Vinícius!
Esse menininho amado, que chegou de mansinho, sem alarde, quando ninguém esperava, e trouxe uma chuva de bênçãos e felicidade para a nossa vida!
Fico imaginando seu rostinho pequenino, será que vai ter o bocão da mãe ou os olhinhos cor de mel? Será que vai ter o cabelo pretinho do pai?
Estamos sonhando com o Vinícius que vai trazer uma grande mudança para a nossa rotina, para os nossos hábitos, para tudo o que está prontinho, cheio de regras, construído. Vinícius vem para desconstruir e refazer, vem para colorir, vem para animar, vem para trazer muito mais felicidade!
Será uma festa! Dois rapazes lindos em casa, aliás, dois não, três, porque o papai também conta. E a gente vai jogar bola juntos, vamos soltar pipa, tomar sorvete, cantar, dançar, fotografar, filmar, correr, cheirar, amar, amar, amar... tô até com pena desse pequeno, porque vou apertá-lo tanto, cheirá-lo tanto!
Querido filho, só peço a Deus que você venha com saúde, e tenha um coraçãozinho tão puro e bom quanto o do Samuel, disposto a ser educado no bem, na retidão, na fé Cristã, na caridade, enfim, que você também venha sob medida, porque se vamos ou não amar você? Nem preciso responder! Você já é um menino amado, desejado, bem-vindo, querido, abençoado!
Com todo amor,
Mamãe.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
O enterro do João
Cyntia Pinheiro
Segue o corpo no caixão. Mortinho da Silva! O tal do João.
As alças de bronze reluzem ao sol forte da rua quente, meio-dia. Seis corajosos homens o carregam, solenes. Talvez sejam ali os únicos suficientemente parrudos, para aguentarem o peso de defunto misturado à quentura do inferno poeirento da rua.
Meninos alheios soltam pipa sorridentes na esquina, e deixam o brinquedo oscilando no vento, perdem um pouco da atenção observando o cortejo fúnebre, enquanto as velhas desdentadas entoam o "a nós descei divina luz", quase em forma de canto-chão.
A viúva num choro convulsivo é conduzida por um filho adulto, e o catarrentinho menor vai no colo da mais moça. O homem de branco se aproveita para enlaçar a jovem órfã sob seus braços peludos e empoeirados.
Passa um carro de som no cruzamento e ao microfone ouve-se: "galinhas gordas, galinhas sadias, dez reais, promoção do dia". Uma velha rechonchuda e de voz forte começa um canto diferente, quase geme para tirar o "avé-avé-avé-maria..." enquanto é seguida pelo sanfoneiro solitário e careca que se junta ao cortejo.
Já no cemitério o padre borrifa umas águas bentas no caixão aberto do defundo e encomenda a alma, e depois joga as águas também no povo que o assiste. A moça coloca o catarrentinho do chão e se joga sobre o pai gritando: "Levanta, pai!"
O povo se comove e chora, agora cada vez mais alto. A cantoria para. Só a gorda da vozona não chora, mas parece engasgada. O catarrentinho abraça a perna da mãe e pede pra mijar, ninguém ouve o menino. O caixão é fechado. A viúva grita e desmaia. É amparada pelo filho mais velho. O pequeno grita: "quero mijar, quero mijar", mas ninguém escuta o menino. O caixão desce à cova, a filha joga um punhado de terra e enfia a cara no resto do monte de terra que ficou no chão, descabelada e com a boca espumando grita cada vez mais alto: "Levanta, pai". Mas o defunto nem lhe dá ouvidos. A primeira pá de terra é jogada. Sobe um poeirão avermelhado, a velha gorda da voz grave espirra, a magrela da dentatura lacrimeja, e a segunda pá de terra é lançada sob protestos da filha estérica. A mãe continua desacordada. O desespero começa mais uma vez a tomar conta do lugar, todos com pena da filha desolada, mas antes que se lançasse a terceira pá de terra, um jato de água surge no nada. O catarrentinho sem pudores, põe o pinto pra fora e mija, no caixão do pai, e olha para a irmã que assiste a cena impressionada, balança a cabeça com um olharzinho inocente e fala: eu avisei.
Segue o corpo no caixão. Mortinho da Silva! O tal do João.
As alças de bronze reluzem ao sol forte da rua quente, meio-dia. Seis corajosos homens o carregam, solenes. Talvez sejam ali os únicos suficientemente parrudos, para aguentarem o peso de defunto misturado à quentura do inferno poeirento da rua.
Meninos alheios soltam pipa sorridentes na esquina, e deixam o brinquedo oscilando no vento, perdem um pouco da atenção observando o cortejo fúnebre, enquanto as velhas desdentadas entoam o "a nós descei divina luz", quase em forma de canto-chão.
A viúva num choro convulsivo é conduzida por um filho adulto, e o catarrentinho menor vai no colo da mais moça. O homem de branco se aproveita para enlaçar a jovem órfã sob seus braços peludos e empoeirados.
Passa um carro de som no cruzamento e ao microfone ouve-se: "galinhas gordas, galinhas sadias, dez reais, promoção do dia". Uma velha rechonchuda e de voz forte começa um canto diferente, quase geme para tirar o "avé-avé-avé-maria..." enquanto é seguida pelo sanfoneiro solitário e careca que se junta ao cortejo.
Já no cemitério o padre borrifa umas águas bentas no caixão aberto do defundo e encomenda a alma, e depois joga as águas também no povo que o assiste. A moça coloca o catarrentinho do chão e se joga sobre o pai gritando: "Levanta, pai!"
O povo se comove e chora, agora cada vez mais alto. A cantoria para. Só a gorda da vozona não chora, mas parece engasgada. O catarrentinho abraça a perna da mãe e pede pra mijar, ninguém ouve o menino. O caixão é fechado. A viúva grita e desmaia. É amparada pelo filho mais velho. O pequeno grita: "quero mijar, quero mijar", mas ninguém escuta o menino. O caixão desce à cova, a filha joga um punhado de terra e enfia a cara no resto do monte de terra que ficou no chão, descabelada e com a boca espumando grita cada vez mais alto: "Levanta, pai". Mas o defunto nem lhe dá ouvidos. A primeira pá de terra é jogada. Sobe um poeirão avermelhado, a velha gorda da voz grave espirra, a magrela da dentatura lacrimeja, e a segunda pá de terra é lançada sob protestos da filha estérica. A mãe continua desacordada. O desespero começa mais uma vez a tomar conta do lugar, todos com pena da filha desolada, mas antes que se lançasse a terceira pá de terra, um jato de água surge no nada. O catarrentinho sem pudores, põe o pinto pra fora e mija, no caixão do pai, e olha para a irmã que assiste a cena impressionada, balança a cabeça com um olharzinho inocente e fala: eu avisei.
Amor pequenino
Cyntia Pinheiro
Amor não há maior
Que o pequenino.
Fruto de si mesma
Gerado dentro.
Feito pedaço da gente
Feito outra gente.
Da gente.
Amor maior que esse
Só Deus sabe dizer se tem.
E se tem é porque vem do próprio Deus!
Amor não há maior
Que o pequenino.
Fruto de si mesma
Gerado dentro.
Feito pedaço da gente
Feito outra gente.
Da gente.
Amor maior que esse
Só Deus sabe dizer se tem.
E se tem é porque vem do próprio Deus!
O selo do amor
Cyntia Pinheiro
Teu olhar grava em meu corpo
O selo de tua paixão
Os graves desejos secretos
Dos dias de solidão.
Feito flor desabrochada
Aberto o peito e a ternura
Das noites fortes e belas
Da entrega de toda candura.
O amor feito carne
Devolvendo o selo da mão
Sangrando o alvoroçar da noite
Em suave despertar de clarão.
E a brisa empalidece os cabelos
Umedecidos da chaga estampada
Querendo mais de teu corpo
Enquanto houver madrugada.
O corpo é pouco para a noite
E a noite é refresco ao desejo
Lentamente se refaz a calma
Na doce entrega do beijo.
O selo gravado está
Para sempre o amor verdadeiro
No seio o fruto querido
E a doce lembrança do outeiro.
O amor se expressa na alma
E no corpo se faz companheiro
O sentimento explode em cantigas
Do desejo de ser tua por inteiro.
Teu olhar grava em meu corpo
O selo de tua paixão
Os graves desejos secretos
Dos dias de solidão.
Feito flor desabrochada
Aberto o peito e a ternura
Das noites fortes e belas
Da entrega de toda candura.
O amor feito carne
Devolvendo o selo da mão
Sangrando o alvoroçar da noite
Em suave despertar de clarão.
E a brisa empalidece os cabelos
Umedecidos da chaga estampada
Querendo mais de teu corpo
Enquanto houver madrugada.
O corpo é pouco para a noite
E a noite é refresco ao desejo
Lentamente se refaz a calma
Na doce entrega do beijo.
O selo gravado está
Para sempre o amor verdadeiro
No seio o fruto querido
E a doce lembrança do outeiro.
O amor se expressa na alma
E no corpo se faz companheiro
O sentimento explode em cantigas
Do desejo de ser tua por inteiro.
Deus pequenino
Cyntia Pinheiro
No ser pequenino eu vejo
A grandeza de Deus ao meu lado
Seu fôlego de brisa me beija
Com a força da pluma e do raio.
Seu amor cristalino irradia
A luz da manhã renascida
Como a pluma serena que voa
E a força do sol que suscita.
Viver é um rio de delícias
Doce martírio e nostalgia
Reconhecendo Deus pequenino
Na força do olhar do menino.
No ser pequenino eu vejo
A grandeza de Deus ao meu lado
Seu fôlego de brisa me beija
Com a força da pluma e do raio.
Seu amor cristalino irradia
A luz da manhã renascida
Como a pluma serena que voa
E a força do sol que suscita.
Viver é um rio de delícias
Doce martírio e nostalgia
Reconhecendo Deus pequenino
Na força do olhar do menino.
Inspiração
Cyntia Pinheiro
Flutuar é imensa virtude
Nas letras fluidas que amiúde surgem
Na vasta mata das ideias mudas
Lambendo os cabelos das árvores rudes.
Flutuar é imensa virtude
Nas letras fluidas que amiúde surgem
Na vasta mata das ideias mudas
Lambendo os cabelos das árvores rudes.
Mil tempos
Cyntia Pinheiro
Mil tempos são mil minutos
Mil dias, mil eras antigas
Mil tempos são mil ternuras
São doces verões e cantigas.
De mil em mil tempos refaço
A vida das vidas e vidas
Nascendo, vivendo e morrendo
Em mil aventuras aguerridas.
Mil tempos são mil minutos
Mil dias, mil eras antigas
Mil tempos são mil ternuras
São doces verões e cantigas.
De mil em mil tempos refaço
A vida das vidas e vidas
Nascendo, vivendo e morrendo
Em mil aventuras aguerridas.
Amálgama
Cyntia Pinheiro
Na severa lembrança de ontem
A gota da lágrima amarga
Belo e triste poema
Prisma refletido em amálgama
Na cor violeta da noite
Incandescente rubor de aurora
Descortina na vida a morte
E faz da certeza a demora
Doída chaga de Cristo
No coração que reclama
A saudade de um tempo vivido
Partindo um coração que ainda ama.
01/09/2011
Na severa lembrança de ontem
A gota da lágrima amarga
Belo e triste poema
Prisma refletido em amálgama
Na cor violeta da noite
Incandescente rubor de aurora
Descortina na vida a morte
E faz da certeza a demora
Doída chaga de Cristo
No coração que reclama
A saudade de um tempo vivido
Partindo um coração que ainda ama.
01/09/2011
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