Cyntia Pinheiro
Lá no céu havia uma escola de anjinhos, meninos-aprendizes de todos os tamanhos, desde bebês-anjinhos até mocinhas e rapazinhos angelicais. Anjinhos de cabelos cacheados, de cabelinhos lisos e crespos. Anjinhos negros, loirinhos e de olhinhos puxados também.
Em uma linda manhã de sol, o anjinho Astolfo, que era o mais peralta dos meninos-anjo de sua idade, pulava de nuvem em nuvem, sentindo em seu rostinho rosado a brisa cariciosa e os raiozinhos de sol que lhe tocavam delicadamente a testa. Sabia que o Papai do Céu estava de olhos bem abertos, prestando atenção em tudo o que ele fazia. De repente, um trovão estrondou bem forte, quase derrubando o anjinho pulador, que foi logo reclamando:
- Mas que coisa mais desagradável! Será que eu poderia brincar sem levar sustos? Quem foi o anjinho levado que ligou o som a essa altura aqui no céu?
Para a surpresa do anjinho Astolfo a resposta veio como um trovão ainda mais forte, era o Papai do Céu que lhe falava:
- Anjinho lindo que tanto amo, você que é tão corajoso, que se equilibra nessas nuvens como nenhum outro anjinho sabe fazer, você que tem tanta energia angelical, que já aprendeu tanta coisa aqui no céu, chegou a hora de ganhar uma missão especial.
Claro que o anjinho ficou bem assustado, pois não era todo dia que se ouvia assim tão forte a voz do Papai do Céu, afinal Ele estava sempre de olho em todo mundo, cuidando de tudo, mas Deus prefere falar baixinho, no silêncio do coração das pessoas, na verdade Ele sabe que tem uma voz muito poderosa, por isso prefere ouvir mais e falar menos. Obediente que era, apesar das peraltices, Astolfo estava disposto a agradar ao Senhor, e respondeu com alegria:
- Sim, meu Deus! Estou prontinho para qualquer trabalho que o Senhor me confiar.
Deus então respondeu:
- Sua missão será na terra, alegrando as criancinhas. Você aceita?
Astolfo nem pestanejou e disse iluminado pela sua linda auréola que reluzia tanto quanto seus olhinhos emocionados:
- Claro, meu papaizinho, eu aceito.
Mal Astolfo respondeu àquela pergunta e sentiu imediatamente seu corpinho escorregando pelas nuvens branquinhas. Ele foi descendo como uma pluma, caindo devagarinho, e enquanto apreciava a vista linda lá do alto, pensava em como seria o lugar para onde Deus o estava levando... Confiava tanto no Criador que não teve medo nenhum. Algum tempo depois acordou sem suas asinhas, sem sua auréola dourada, com a pele um pouco mais bronzeada e cabelos como de menino da terra. Ele estava deitado num campo verdinho, à sombra de uma árvore frondosa. Vestido como um menino normal, ele olhou à sua volta buscando saber que lugar era aquele onde estava, foi quando ao longe ele avistou alguma coisa muito colorida que se sacudia fortemente ao vento. Não teve dúvidas, era um circo. Aproximou-se lentamente, até encontrar a porta principal, e foi entrando sem ser incomodado.
- Olá - gritou o menino-anjo - tem alguém aí?
Mas ninguém respondeu. Astolfo então foi entrando e ficou admirado com tudo o que via, o picadeiro era enorme, cheio de coisas grandes e coloridas, no alto haviam trapézios de uma altura impressionante e também pôde notar uma corda-bamba que atravessava o circo inteiro. Astolfo estava encantado... foi aproximando-se como que fascinado e começou a mexer em tudo o que via. Subiu no trampolim, deu piruetas no meio do picadeiro, fez estrelinhas, criou coragem e foi até lá no alto, pendurou-se no trapézio de ponta-cabeça, girou no ar, andou na corda bamba e quando se preparava para descer da sua aventura circense foi surpreendido com alguns poucos aplausos de uma plateia bem especial.
(palmas)
- Bravo! - Gritou o palhaço Cascatinha.
- Genial! - Bradou o mágico do circo.
- Quanta habilidade! Estou impressionada! - Disse a mulher barbada.
Astolfo não estava entendendo nada. Então pediu desculpas:
- Pessoal, eu não sabia que vocês estavam aí. Me desculpem por invadir assim o circo de vocês, é que eu fiquei...
Mas antes que Astolfo completasse a frase foi interrompido por Cascatinha:
- O que há garotinho? Nós adoramos assistí-lo. Onde foi que você aprendeu tanta coisa assim? Você é artista de circo?
- N-n-não... eu...
- Não importa - disse a mulher barbada - o importante é que você chegou aqui na hora certa, foi Deus quem te enviou menininho. Quer trabalhar conosco?
Quando ouviu aquelas palavras o menino-anjo não teve dúvidas, sabia que tinha ido parar ali a mando mesmo do Papai do Céu, então não havia porque recusar àquele convite tentador.
- Está bem. Eu aceito.
Pegando sua cartola mágica, o mágico do circo foi logo tirando coisas lindas para presentear Astolfo. A primeira a sair foi uma roupinha toda colorida de palhaço, depois veio uma peruca toda espivitada e por último um sapato gigantão desses que palhaço usa. Astolfo ficou muito feliz, mas não deixou de perceber o olhar triste do palhaço Cascatinha.
- O que foi Cascatinha, você não está feliz? - perguntou o anjinho.
- Não, é que... bem... eu... é que essas coisas eram do meu filho, o palhacinho bolotinha e... é que me deu uma saudade danada dos tempos em que ele podia usar todas essas coisinhas lindas...
- E por que ele não pode mais usá-las? - indagou o curioso anjinho.
Cascatinha começou a chorar. Então a mulher barbada explicou:
- Olha menino, é que o Bolotinha acidentou-se aqui no circo e agora não pode mais fazer graça, o circo já não é mais o mesmo sem ele. Precisávamos mesmo de um substituto, porque as crianças que vêm aqui adoravam vê-lo em cena. Já faz um tempão que ele está deitadinho na cama, triste, amuado, desanimado da vida, e não temos mais esperanças de que ele volte ao picadeiro.
- Nossa! Que coisa triste. Gostaria muito de conhecê-lo.
- Você irá conhecê-lo na hora certa - disse o mágico - agora vamos preparar a apresentação de logo mais.
Então foram surgindo por trás das cortinas pesadas vários personagens interessantes do circo, o malabarista com suas bolinhas encantadas que jamais caiam, a contorcionista que cabia numa caixinha pequenininha, o trapezista com músculos de aço pendurava-se de ponta-cabeça, girava e saltava no ar, o mágico tirava coelhos lindos de sua cartola, a mulher barbada girava no ar pendurada por malhas coloridas, o palhaço Cascatinha arrancava risadas de todos ali presentes. E o nosso pequeno Astolfo ficou encantado pela atmosfera maravilhosa do circo, inebriado com tanta beleza, tantas cores e tanta alegria, ganhou o apelido carinhoso de palhaço Fumacinha e ficou decidido que participaria de vários quadros, penduraria-se no trapézio, andaria na corda-bamba que era sua especialidade, faria graça junto com o palhaço Cascatinha e até sairira de dentro da cartola do mágico em um número novo que eles inventaram só pra ele. Tudo parecia perfeito, até que Fumacinha percebeu uma sombra que espiava por traz da lona, um olhinho triste que acompanhava todo o ensaio, não teve dúvidas, era o palhaço Bolotinha e correu até lá:
- Bolotinha!
O palhacinho doente levou um susto, não esperava ser encontrado ali no seu esconderijo:
- Q-quem é você? - perguntou intrigado.
- Sou o palhaço Fumacinha e vim para...
- Não precisa me dizer... eu já sei, você veio para ficar no meu lugar, eu sei que não sirvo pra nada mais... depois que caí do trampolim, meus pezinhos ficaram tortos e já não posso mais andar direito, também estou bem doente, tenho febre e muita tristeza...
- Ei, espere Bolotinha, você não pode ficar revoltado assim, pois existe um Deus tão grande e tão bonito cuidando de você.
Bolotinha revoltado respondeu:
- Então porque Ele mandou você em vez de cuidar de mim?
- Mas ele cuida, amiguinho. Confie n´Ele. Me conte uma coisa: o que eu poderia fazer para te deixar feliz, Bolotinha? Quero ser seu amigo, quero que você confie em mim.
- Ah! Ninguém pode me fazer feliz, a única coisa que me deixaria realmente feliz seria voltar ao picadeiro, voltar a ser o palhaço Bolotinha de antes...
E Bolotinha saiu chateado com aquela conversa. Mas Fumacinha, nosso anjinho Astolfo, já tinha um plano.
Quando a noite chegou, o público lotou o auditório do circo, muitas crianças vinham de várias localidades para conhecer o novo palhacinho. As luzes finalmente se acenderam e o espetáculo começou com muita alegria. Era possível notar a felicidade das crianças encantadas com tanta arte e beleza. Fumacinha foi a principal atração da noite. Para a surpresa geral, no número mais difícil que apresentaria, nosso anjinho pediu para falar ao microfone, e deixou a plateia e os amigos do circo ainda mais intrigados quando disse com voz confiante:
- Convido aqui o meu amigo, o melhor palhaço que já houve nesse circo, o mais esperto, o mais inteligente e bonito, o palhaço Bolotinha para andar comigo na corda-bamba.
Ouviu-se um longo "Ohhhhhhhh" por parte dos presentes. Todos sabiam que Bolotinha não conseguiria, como poderia andar na corda-bamba com seus pezinhos tortos? E fraquinho como ele estava, não seria capaz. O mágico tentou impedir a loucura, mas Cascatinha, confiando em Deus deixou seu filhinho subir.
A plateia ficou enlouquecida, entre preocupados e confiantes, aplaudiam com entusiasmo o pequeno Bolotinha. E agora era possível perceber um brilho diferente em seu olhar, ele estava encantado e realmente feliz de estar ali, sentia-se útil e importante novamente. De mãos dadas com nosso anjinho Astolfo se deixou levar confiante pela corda-bamba que balançava calmamente sentindo o peso dos dois novos amigos. Bolotinha sorria muito, não cabia em si de tanta felicidade. De repente, algo inesperado aconteceu, a corda começou a sacudir rapidamente e os dois corriam o risco de cair lá do alto. Foi quando Bolotinha fechou os olhos e disse para Astolfo:
- Estou pronto, amiguinho!
E como mágica duas asas gigantes brotaram nas costas de Astolfo e a mesma coisa aconteceu com o palhaço Bolotinha, duas asas imensas sairam de suas costas e quando começaram a cair da corda-bamba, bateram suas asas lindas e passaram a sobrevoar a plateia emocionada com tanta beleza. Aquela foi a noite mais especial e linda que o circo jamais viu. Fumacinha e Bolotinha voltaram a ser anjinhos de Deus, e voaram para fazer suas traquinagem e malabarismos lá no céu, felizes e agradecidos ao grande Criador que os deu a chance de alegrar muitas crianças aqui na terra.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
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Há parte do caminho que devemos criar as próprias asas, pois a travessia do abismo é necessária para, do lado de lá, já renovado, vivermos uma vida mais plena, né?
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