Cyntia Pinheiro
Hoje pela manhã acordei o meu pequeno Samuel e o apressei para o café, pois ele tinha uma consulta marcada com seu endocrinologista, que é quem acompanha o seu crescimento há cerca de um ano.
Comemos rapidinho e fomos para o consultório como fazemos habitualmente a cada três meses. Hoje foi a nossa primeira consulta pela manhã, sempre prefiro mais próximo do pôr-do-sol para que possamos ir em família, mas dessa vez não foi possível e o papai não pôde estar conosco.
Depois do habitual cadastro e do “desagradável” pagamento pela consulta (já que temos plano de saúde, mas o médico se descredenciou), nos sentamos para aguardar nossa vez.
Samuel sempre observa flores novas no jardim do consultório e sempre vai até lá colher uma miudinha para mim e outra para ele, e temos que passar o tempo todo com as flores pequenininhas nas mãos, até que ele se esqueça delas. Por mais que eu explique que a flor é mais contente quando fica em família, lá no jardim, enfeitando a rua, ele insiste em me fazer essa gentileza, e eu não tenho condições de impedi-lo, pois sou romântica e adoro receber flores.
Bem, sentamo-nos em uma única poltrona, pois não havia mais lugares vagos. Ao meu lado estava uma jovem senhora rechonchuda e muito simpática que logo foi puxando assunto. À direita, um pouco mais à frente, duas outras senhoras conversavam animadamente e ao lado delas estava um velhinho com olhar terno de mãos dadas com uma velhinha que estava sentada em uma cadeira de rodas. Esse casal logo despertou a nossa atenção, pois a senhora estava agitada, sorria muito e balbuciava alguns pedaços de palavras, como quem tentasse se expressar desesperadamente e não conseguisse.
Sua atenção estava toda voltada para Samuel, ela dava pequenos gritinhos, de alegria, empolgação e entusiasmo. Parecia fascinada por ele. Sorria sem parar em pequenas e sonoras sílabas soltas, meio sem sentido, mas que demonstravam com nitidez a sua alegria em ver uma criança. Meu pequeno portava um balão que ganhou na rua ontem, e logo o senhor que acompanhava a alegre velhinha o chamou para jogarem, trocaram alguns tapas no balão e deram boas gargalhadas. A cada tapa que o velhinho ou Samuel davam no balão, a simpática senhora se entusiasmava mais, estava encantada com a brincadeira, mas eu não achei aquilo muito prudente, fiquei receosa de incomodar as pessoas, ou temi que algo se quebrasse, então não deixei que a brincadeira continuasse.
Logo o simpático velhinho, que a cada minuto acariciava sua companheira, me explicou que há cerca de um ano ela sofreu AVC, e não podia mais conversar, estava impossibilitada de várias funções, mas por mais que ele não houvesse dito isso, percebia-se que ela não perdera a vontade de viver e a alegria dela era contagiante. Trocavam olhares e adulações que demonstravam um carinho infinito, de uma vida inteira de companheirismo e afeto.
Em um momento, a empolgada velhinha olhou para o meu menino com toda ternura, levou as mãozinhas trêmulas até os lábios e jogou para ele um beijo solto no vento. Imediatamente pedi:
- Meu amor, jogue um beijinho pra ela também.
Mas ele foi seco:
- Não.
Então insisti:
- Por que você não dá sua florzinha pra ela, filho?
Ele apenas disse:
- Não.
Levantou-se em seguida e saiu da sala. A senhora sorriu, e eu fiquei tentando imaginar o que o meu pequeno estava pretendendo fazer. Para a surpresa geral, o meu menino retornou trazendo uma florzinha pequenina e foi direto entrega-la, espontaneamente, àquela linda e sorridente senhora de rostinho sofrido, enrugado, de cabelos branquinhos como plumas de algodão. A surpresa foi geral.
A emoção tomou conta de todos os que ali estavam e presenciaram a cena. Ela sorria e dava gritinhos de emoção, enquanto as lágrimas escorriam de seus olhinhos apertados, dava beijinhos repetidos na singela florzinha com tanta sofreguidão, que não houve ninguém ali que não se emocionasse. Até Samuel ficou com os olhinhos cheios de lágrima, que enxugava por baixo dos óculos e dizia:
- Mamãe, eu adorei!
Agora era a vez do meu menino se emocionar, ele dava gargalhadinhas de felicidade e repetia:
- Adorei, mãe!
Eu também adorei, filho. Meu coração ficou grandão naquela hora, tanto que parecia que ia explodir, e até agora enquanto escrevo fico emocionada. Foi lindo demais! Fiquei tão orgulhosa de você, fiquei tão feliz por ver aquela pessoinha tão frágil, tão sofrida, tão amável emocionar-se por um gesto tão simples, por causa de uma florzinha de meio centímetro, irrelevante para tanta gente, mas que mudou meu dia e com toda a certeza, mudou o dia de todas as pessoas que ali estavam.
São nos pequenos gestos que descobrimos as coisas mais lindas da vida, como por exemplo, o quão emocionante é viver, na infância e na velhice, com verdade e emoção.
08/08/2011
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
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