quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Game Over


Cyntia Pinheiro (em catarse)



Há tempos não me levanto a noite apenas para escrever. Hoje nem me deitei, um desconforto grande me doía fisicamente o coração, eu precisava expressar.

Todos os dias convivo com mais de uma centena de pessoas no plano físico e milhares no plano virtual. Nessa perspectiva é absolutamente aceitável lidar com opiniões diversificadas sobre todo e qualquer assunto, até mesmo política, esporte e religião, assuntos esses considerados indiscutíveis.

Ultimamente, de modo especial, tenho lidado com pensamentos bastante contraditórios em relação às muitas religiões. Hoje, com certa perplexidade, me vi diante de duas posições extremadas e totalmente desconfortáveis, a fé cega e o completo ateísmo. Ambos os temas me desconcertaram a ponto de gerar uma angústia e um incontrolável desejo de me expressar, pois não sou do tipo que guarda as coisas, sou do tipo que se livra das dores e dos problemas, não quero somatizar, sobretudo as opiniões alheias.

Primeiro ponto a esclarecer, não carrego bandeira religiosa, já estive em muitos lugares, aprendi a respeitar as diferenças. E essa falta de respeito é que me dói. Para exemplificar, me adoece ver gente negra sendo maltratada sem pleno século XXI, como também me entristece necessitar de cuidados para me referir à pessoa negra, como se chamar de “negão” fosse uma ofensa, como se dizer “aquela moça negra” fosse uma crueldade. Não gosto de ter que dizer “a moreninha”, o rapaz “moreno”. É negro, pronto e acabou. Sem melindres, sem problemas, sem neuras!

Devemos aceitar todas as riquíssimas contribuições, sobretudo musicais, que os africanos nos legaram, pelo ritmo que lhes é peculiar e de onde vem o samba, o maracatu, o “negro spiritual”, o jazz, o soul, dentre outros belíssimos estilos. Por que não podemos aceitar que TODOS somos negões? Miscigenados, porém paridos da mesma cultura africana de onde vieram os escravos...

E a religiosidade negra não deve ser para nós motivo de repulsa. Todos somos  gente e cada pessoa tem o direito de exercer a sua crença e a sua fé como lhe aprouver. Enquanto a fé do outro afetar a minha fé, não há que se falar em Estado Laico, mas em Estado Hipócrita.

Ser ateu também é um direito do ser. Direito de ser e de não ser parte. Liberdade de escolha, somente. E o ateísmo também é digno de respeito, já tive conversas extremamente proveitosas e inteligentes com pessoas declaradamente ateias, cuja conduta social é a melhor possível, irrepreensíveis no modo de vida. O que não aceito e jamais vou aceitar, seja de qual lado for, é a intolerância.

Não importa qual seja o lado, se você acredita em Deus, Jesus, Buda, Maria, Kardek, Maomé, Sheeva, Ganesh, ou se prefere o niilismo. Se segue o Alcorão, a Bíblia, o Evangelho segundo o espiritismo, o Mahabarata, Ramayana, Vedas, Torá, Cabala, ou prefere Nietzche, pouco importa.  Se você é católico, protestante, wiccan, judeu, xintoísta, hindu, muçulmano, islamista, kardecista, budista, ou se é ateu. Tanto faz!!!! Tanto faz mesmo!!! Conviva em paz, porque fundamentalismos destroem o mundo!

Meu doeu ouvir de alguém algo do tipo “quem não crê já está condenado ao inferno”, mas também me doeu ler na internet que quem acredita em Deus é” idiota alienado” (pegando a frase mais cortês que havia na página)!

Tanta certeza, tanta convicção. Quem está certo, afinal? Um destino eu garanto que todos temos, o túmulo. Daí por diante só temos fé, ou a falta dela.

E enquanto pessoas que professam alguma fé continuarem atacando a fé alheia ou sua ausência, enquanto algum homem “branco” continuar se achando superior ao negro, enquanto o ateu se achar no direito de fazer charge, estatueta, comentários desrespeitosos quanto à crença dos outros, enquanto existir fundamentalismos, certezas absolutas e irrefutáveis, todos seremos algozes e vítimas das nossas próprias vaidades.

Tem mais, enquanto as maiorias continuarem a oprimir as minorias e enquanto as minorias tentarem conquistar espaço agredindo a maioria, já era! Isso nunca vai dar certo.

Esse mundo já acabou! Para mim, é game over!